Música Contemporânea pelo Coletivo “Lovemusic” de Estrasburgo
Grande Auditório da Escola Artística do Conservatório de Música de Coimbra
dia 03 de novembro de 2023, 18h00
Entrada Livre
Programa
Hugo Vasco Reis (1981)
Figuras Reconfiguradas (2023)*
Finbar Hosie (1996)**
The Hyacinth Garden (2023)
Para intérprete, clarinete, viola, guitarra eléctrica, eletrónica e instalação de luz
Noriko Baba (1972)
Bonbori (2008)
Para flauta, clarinete, viola, violoncelo e guitarra
Hugo Vasco Reis (1981)**
Caligrafia do vento (2022)
Para flauta baixo, clarinete baixo, violoncelo e guitarra
Santiago Díez Fischer (1977)**
love fragments (2023)
Para flauta baixo, clarinete baixo, viola, guitarra eléctrica, violoncelo e eletrónica
Helmut Oehring (1961)***
iɱˈfɛrno from MAPPA Contrapasso I–V (2022)
Para flauta baixo, clarinete baixo, violoncelo, guitarra eléctrica e cassete
* com Sintese GMC
** obras encomendadas pela lovemusic
*** obras encomendadas por lovemusic e Klangwerkstatt Berlin
Colective lovemusic
lovemusic é um coletivo de músicos especializados em nova música com sede em Estrasburgo.
Trabalhar com compositores em obras novas e excitantes que enriquecerão o mundo musical está no centro da nossa atividade. Isto significa colaborar com artistas que desejam criar novas músicas em conjunto, nas quais tanto o compositor como os músicos estão ativamente envolvidos no processo criativo.
Queremos desmantelar os sistemas patriarcais e hierárquicos enraizados no mundo da nova música, criando um ambiente seguro e inclusivo no qual os músicos podem decidir por si próprios como contribuem para cada projeto, a música que querem tocar e os compositores com quem querem trabalhar.
Os membros da lovemusic têm origens e gostos diversos que alimentam as escolhas da música que interpretamos. Acolhemos a multiplicidade de estéticas que a nova música oferece atualmente e os nossos programas são o resultado de uma pesquisa extensiva que nos permite programar de forma criativa, trazendo novas vozes a novos públicos. A diversidade é importante e esforçamo-nos por programar música que tenha em consideração a etnia, o género e a identidade sexual.
A forma como apresentamos a música em palco é sempre tida em consideração. Apresentamo-nos sem regência, o que cria não só laços íntimos entre os músicos, mas também uma ligação ativa e emocionante com o público. Gostamos de trabalhar com iluminação, vídeo e cenografia, que contribuem para criar uma experiência auditiva envolvente. Os concertos da lovemusic são coloridos, divertidos e inovadores, atraindo o público para o nosso mundo musical diversificado.
Emiliano Gavito – flauta/performer
Adam Starkie – clarinete
Emily Yabe – viola
Lola Malique – violoncelo
Christian Lozano Sedano – guitarra/e-guitarra
Finbar Hosie – eletrónica
Notas
Num ambiente sónico, quase todos os sons são esquecidos, escapando como grãos de areia entre os dedos. Partindo desta premissa, “Figuras Reconfiguradas” desenvolve uma metodologia experimental de escuta e mediação de figuras sonoras, onde os sons recolhidos através de gravações de campo funcionam como um objeto de memória para posterior comunicação com o público, sob a forma de música instrumental. Para a execução da obra, é pedido aos músicos que estabeleçam correlações entre os sons das partituras áudio que ouvem e a forma como o som do instrumento acústico se pode aproximar do que estão a ouvir. Este trabalho pretende refletir sobre o fenómeno da atenção auditiva e da mediação dos sons de um espaço sonoro para outro meio.
The Hyacinth Garden surgiu a partir de temas explorados em The Waste Land de T.S. Eliot: a aparente desilusão do autor com a sociedade britânica, é uma crítica pesarosa, mas por vezes irónica. O poema foi escrito pouco depois da Primeira Guerra Mundial e enquanto Eliot recuperava num sanatório, na sequência de um esgotamento nervoso sofrido durante o seu trabalho como escriturário no distrito financeiro de Londres. Vinhetas do poema de 1922 pontuam a obra: um vidente incompetente, referências aos mitos de Hyacinthus e Tristão e Isolda, e o tema recorrente da água como marca de regeneração e de seca.
O novo trabalho de Finbar Hosie convida-nos a uma exploração política e sensual através de terrenos baldios e jardins, em busca de união e separação no espaço e no som.
Em japonês, a palavra Bonbori refere-se a um tipo de lanterna de papel tradicional. No entanto, a origem da palavra vem de uma palavra do século XVII que significa um estado de nevoeiro ou desvanecimento. Neste trabalho, Noriko Baba inspirou-se na ideia de uma sala escura na qual brilhos de luz são reflectidos em objectos tradicionais japoneses de laca. Os sons aparecem e desaparecem num nevoeiro enevoado, como flashes de luz a piscar nos nossos ouvidos.
Num passeio casual ao longo de uma falésia, a cerca de uma hora de Lisboa, encontrei uma zona rochosa onde se formava uma espécie de labirinto. Entrei. Uma vez lá dentro, só conseguia ver as rochas altas que me rodeavam e o céu. Também só havia pedras no chão. As superfícies rochosas eram moldadas. Os contornos destas eram muito expressivos e foram o impulso para abraçar a criação da “Caligrafia do Vento”. A ligação entre a textura, a cor e o contorno do que via, levou-me aos elementos musicais que unem a ideia ao discurso da obra. Depois de refletir sobre estes elementos visuais, criei focos de tensão e distensão, ligados à memória, perceção, tempo e intuição, num equilíbrio entre forças estruturais opostas e emoção. Durante o discurso, são criadas várias imagens, que dependem da distância a que vi os elementos rochosos, colocando o som em constante variação e diferentes perspectivas de organização e diálogo.
Fragmentos de amor é uma obra que se inspira nos fragmentos de poemas da poetisa grega Safo. Caminhar, tal como ouvir, implica deslocar-se entre fragmentos. As coisas que vemos quando andamos numa estrada são uma parte de um todo. Unificamos essas partes para construir a viagem.
Esta peça é uma viagem a partir de fragmentos onde é proposto ao ouvinte construir um caminho, construir o desejo de ouvir e habitar um mundo de som. Como nos fragmentos de Safo, conhecemos o seu amor, a sua vida e o seu desejo a partir do que ela nos conta.
iɱˈfɛrno do MAPPA Contrapasso I-V é uma obra audiovisual cíclica escrita para o coletivo lovemusic e inspirada na ilustração de Boticelli do Mappa dell’Inferno, o Abismo do Inferno descrito por Dante na sua Divina Comédia, bem como no princípio da justiça divina da mesma obra (Inferno: Contrapasso), que implica que todos os pecados cometidos na vida conduzem a um “castigo condigno”.
Abstraindo formalmente as complexas proporções numéricas, intenções numerológicas e cálculos matemáticos que estão na base do Inferno de Dante, a partitura é composta por cinco partes e nove camadas – nove círculos do inferno. De acordo com Dante, o sétimo círculo do inferno é reservado aos bandidos, aos autores de violências, aos tiranos e aos assassinos…
Num processo de transformação, esta obra baseia-se nos discursos proferidos pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e presidente da Rússia em março de 2022, no início da sua guerra agressiva contra a Ucrânia. Estes “biomarcadores vocais” foram discriminados de várias formas utilizando software de análise de discurso de modo a transformar, desmontar e voltar a montar o seu ADN durante o durante o processo de composição. Assim, as “emoções subjacentes” e as “entoações vocais” descodificadas e codificadas” por detrás da ideologia de ambos os políticos russos foram colocadas como imagens sónicas numa paisagem linguística visual infernal.
Lovemusic é apoiado pelo DRAC Grand Est, pela Région Grand Est e pela cidade de Estrasburgo.